A morte após a ceia
o doce o licor e o café
preto horizonte onde se perde
em claros locais iluminados
pelas borboletas noturnas
- que outro nome teriam
os insetos contra a lâmpada?
Pisoteia o sexo, não há compromisso
onde pisa, a guerra se faz longe
ao largo, no bote inflado
espera o barqueiro da calma
paciência na noite que se encerra.
O dia cerra o negror da noite
a luz incendeia as estrelas
fixas, aguardam a próxima ceia.
(Pedro Du Bois, A AUSÊNCIA INCONSENTIDA)
Só
sozinho
somente
só a mente
não mente.
Era quaresma e há dias passava a escassos goles d’água e a miúdas migalhas de pão. Do confessionário, saiu levíssimo. A alma, um resquício de pena. O menor dos ventos não teria esforço algum para elevá-la ao céu. Sublimou.
Reflete: arco
e flecha (chances
reconduzidas
em jogos de azar)
a aposta se completa
no ambiente
das probabilidades
habilidades desequilibram o jogo
momento de ansiedade e angústia:
esperanças cruzam anônimas
e o responsável aciona
a alavanca: dedo na ferida
reflexo: inconsequente razão
para ir embora na quietude
da hora em recomeço.
(Pedro Du Bois, A HORA SUSPENSA)
Destinou sua vida aos mortos. Enterrava-os e confortava seus entes. Quando a gadanha arrancou-lhe a vida ninguém foi ao seu enterro, exceto um homem que trazia consigo uma pá.
quando longe
sonha
quando perto
desperta
quando nada
espera
quando entende
volta
quando termina
sonha.
(Pedro Du Bois, PEQUENOS ESCRITOS)
Pregava noite e dia. Quando deu por si, já o haviam pregado na cruz.
SONETO AO MEU AMOR
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/17/2010 11:28:00 AM em Fabiano Fernandes Garcez, Poesia, Poesias, São Paulo | comentários (0)
.
Se amor é um fogo ou é uma ferida
À beira do precipício,
o fim
ou
o início?
O VIOLÃO
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/16/2010 08:39:00 PM em Fabiano Fernandes Garcez, Poesia, Poesias, São Paulo | comentários (0)
Diálogos que ainda restam p.23
Na fila do banco, um senhor aguardava sua vez de ser atendido. Era baixo de estatura, tinha os cabelos grisalhos e os traços do rosto vincados. Marcas de uma vida de muita labuta, talvez. Trazia consigo uma bengala que o auxiliava a se equilibrar, uma de suas pernas não se dobrava.
Não demorou muito a ser atendido, visto que esperava na fila de gestantes, deficientes e idosos, quesitos dos quais o senhor preenchia dois. Durante o atendimento, o diálogo entre o senhor e o caixa não parecia ser muito eficaz. Ou o idoso não o ouvia muito bem, ou simplesmente não compreendia suas palavras de bancário. Verdade é que o atendente aparentava não estar muito predisposto a esforçar-se para que a comunicação lograsse êxito.
Após alguns minutos, o senhor recebeu um papel e em seguida uma caneta. Estendeu sua mão direita para recebê-la. O encontro, entre sua calejada mão de grossos dedos e o objeto de escrever, foi curioso. À primeira vista, percebeu-se a falta de afinidade entre ambos. Pegou o fino e liso objeto como se fosse um cabo de um machado e tentou ajeitá-lo entre os dedos para que pudesse assinar seu nome, no entanto, o objeto teimava em fugir-lhe do controle. Nos olhos do caixa, era possível ver a impaciência e o desdém.
Com muito custo, conseguiu afirmar a caneta e posicionar a mão de forma que pode começar, muito lentamente, a desenhar sua assinatura. Por vezes, a mão tremia-lhe e tinha que parar por alguns segundos para retomar, logo em seguida, a difícil empreitada que lhe haviam incumbido.
A mesma mão que se apequenava perante tão pequeno objeto, talvez fosse capaz de se agigantar perante uma enxada, pá ou qualquer outra ferramenta de trabalho braçal. Aquele caixa seguramente acovardar-se-ia perante uma ferramenta dessas, talvez até mesmo perante um simples martelo ou uma chave de fenda. O que se apresentava ali, eram dois mundos totalmente díspares.
Finalmente o senhor terminou sua tarefa e recebeu algumas notas. Um outro senhor, que também aguardava na fila, ajudou-o a pegar a bengala que havia deixado de lado para executar a assinatura. Dirigiu-se à saída e deixou o banco.
Tivesse o senhor as mesmas oportunidades do caixa, tornar-se-ia ele também um caixa? Quem sabe até mais atencioso e bem humorado do que este que o atendeu. Não tivesse o caixa as oportunidades que teve, tornar-se-ia ele um trabalhador braçal, capaz de manusear toda e qualquer ferramenta que se metesse a sua frente?
A que distância atingem as raízes do determinismo e do genes é um mistério. De explícito, apenas as relações humanas que se tornam cada vez mais distantes e ásperas.
Na máscara se revela
por inteiro: mostra
como se esconde
pensa o escuro
da farsa
e se ilumina
o espelho reflete
o que quer mostrar
nos dias rasos
em que sua vida
se esconde
a máscara permite o encontro
na junção entre o interior
e o exterior que se expõe
e gosta.
(Pedro Du Bois, TANTAS MÁSCARAS)
EU NÃO SOU EU
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/11/2010 06:38:00 PM em Fabiano Fernandes Garcez, Poesia, Poesias, São Paulo | comentários (1)
Espero
Desde espero
Desespero
Desesperança.
Sou professor.
Ser poeta é um desvio
com fácil tratamento:
ter pelo menos um lampejo poético por dia
ou escrever uns versos,
mesmo que os rasgue.
AS CHAVES
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/10/2010 03:04:00 PM em Fabiano Fernandes Garcez, Poesia, Poesias, São Paulo | comentários (0)
Tiro do bolso as chaves
Um acontecimento de vivências
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/10/2010 02:51:00 PM em Fabiano Fernandes Garcez, São Paulo | comentários (1)
Um trago sozinho à tarde
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/10/2010 02:49:00 PM em Fabiano Fernandes Garcez, São Paulo | comentários (1)
Ernest Fischer, em A necessidade da arte, afirma:
Um tempo que escorre aos olhos
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/10/2010 02:44:00 PM em Fabiano Fernandes Garcez, São Paulo | comentários (0)
Por Fabiano Fernandes Garcez
Em À medida dos Tempos, livro de estréia de Clebber Bianchi, percebe-se que no decorrer da obra o poeta amadurece seu canto, amplia suas impressões e expressões, suas visões e percepções de um tempo impossível de se aprisionar, mesmo depois de capturado pelo retrato fotográfico, restando ao olhar lírico apenas a nostalgia de um tempo tardio, mesmo que recente:
Do peito,
escorre a chama suja dos tempos.
O olhar é simples, singelo,
apenas os tempos são capazes de testemunhá-lo.
O sorriso amarelou no retrato
e a fala muda enalteceu a lembrança.
Somente o sonho sobreviveu.
E a saudade vive nas tardes,
sob as folhas das mangueiras,
a cada lágrima que cai.
Clebber nos dá mosta do labor poético que preza a fenomenologia do olhar, olhar este que se volta para as coisas sem importância, coisas à toa e, por isso mesmo, são de grande valia e merecem ser recordadas:
Haverá um tempo
em que o passado estará exposto
no reflexo das cores orvalhadas
das flores do jardim da janela dos fundos.
As goteiras farão as rimas dos versos
que contarão a história.
O silêncio que havia na casa grande
havia entre os odores do curral.
O galo que há pouco cantou
propiciou reminiscências,
que os roncos dos motores e buzinas,
além do apitar cotidiano da fábrica, apagaram.
RETRATOS
A observação subjetiva das coisas simples, singelas, ganha um forte aliado, sua sintaxe também simples, sem afetações linguísticas de um discurso meramente formalista, que pouco comunica. O discurso poético de Clebber comunica bastante, para isso o campo léxico de À medida dos tempos é cotidiano, comum, no entanto é nessa simplicidade de dizer que é dito muito sobre a solidão, os sonhos infantis e até sobre o fato de se perder as palavras, restando apenas a contemplação sensorial do momento:
Daqui de cima tudo é solitário.
Viver acima
é encontrar-se surdamente
falando para si mesmo.
Esta é a minha casa da árvore (sonho de criança)
financiada em duzentos e quarenta meses, além de alienada.
Quando enlouqueço e grito lá para baixo,
somente as buzinas respondem.
Em seguida, as palavras não me vêm.
Apenas o pio da andorinha,
um pio, um só.
Apenas uma andorinha,
uma andorinha apenas.
UMA ANDORINHA
Cleber vale-se de alguns recursos poéticos, apesar de sua linguagem acessível, como por exemplo, paradoxos e antíteses:
O tempo é permissivo
aos contentamentos descontentes.
Vejo que tudo acontece ao mesmo tempo agora
no cenário dos dias na cidade...
PESARES DO TEMPO
Hoje, o tempo me veio solteiro,
em uma noite daquelas em que a melhor companhia era a
solidão.
EU INTRA
além disso, em alguns poemas vê-se um jogo com os diferentes valores semânticos de uma mesma palavra, como em MÁSCARA:
Um ser sem sentir-se
um sentir-se sem ser.
porém é nas belíssimas imagens poéticas que Clebber Bianchi se mostra mais criativo:
Enquanto os sapos coaxam de sede,
O sol atravessa a pele da terra,
e meus ombros são minha camada de ozônio.
DESALINHO
Cansei de respirar uma felicidade esbaforida,
cansada de se engasgar no soluço sórdido,
numa exatidão sem nexo e triste de alma.
(...)
Bastou-me um santo
e ajoelhei-me sobre as cinzas carbonizadas do meu consciente.
DILATEM, PUPILAS!
O poeta também se utiliza de alguns recursos sonoros que fazem com que os seus poemas ganhem em musicalidade e ecoem em nossos ouvidos. Um desses recursos, é o eco fonético, ou seja, aproximação de palavras semelhantes sonoramente:
Eu era um descaso do acaso,
angariado na contramão de uma grande avenida
Os brilhos dos olhos lagrimantes de saudade
de um tempo escorrido nos relógios
refletiam a esperança do passado,
apagada na realidade de um presente sério.
TEMPO DE REZA
Outro recurso utilizado pelo poeta é a onomatopéia:
O relógio tinha que tá, tinha que tá
mas não tá.
(esta foi a única coisa que o tempo parou!)
MANTO NEGRO
Clebber mostra em seus versos, não raro, a influência de Tonho França, e faz uma homenagem à altura do poeta de Guaratinguetá em CHARUTO CUBANO:
Uma lágrima seca escorreu-me de canto
e o canto do pintassilgo emudeceu na gaiola.
Minha cachaça perdeu o gosto quente,
exposta ao sol dos dias.
Mesmo uma pimenta aberta no prato
caçoava minha coragem.
Senti desconforto
e, sob meus pés,
o vácuo das manhãs sem sal provocava saudades.
É contínua a direção dos ventos,
segundo os sonhos,
seguindo sempre somente e só...
Os apoios que me sustentam
são espinhos tristes, sanções expressionistas,
cenários de Van Gogh.
Meu peito dilatado
ressalva as atitudes corriqueiras nas janelas
temperadas de línguas.
E sobre a rede ...
... e sobre a rede,
somente um legítimo charuto cubano
fazia-me companhia,
e entre um trago e outro
trago saudades.
Ao fundo,
solos de blues...
Solos de blues,
à tarde.
As acácias choravam suas perdas,
e as folhas caíam como eu,
solitariamente...
Outro destaque do livro é OLHOS FECHADOS, poema com uma vertente ecológica e, dado aos problemas ambientais, quem sabe, profético:
A culpa é nossa!
Uma culpa com a imensidão do verso,
do céu-fumaça, estradas-pet, sertão-papel. Culpa tamanha!
O sonho é esperança contida no escorrer das águas nas sarje¬tas,
nas mãos atadas dos pobres de espírito,
no papel de bala que perfurou o vento
e não pesou sobre a mente poluída.
É o início do fim. (...)
Le Goff em História e Memória diz:
“a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”.
Com base nessa afirmação, só resta encerrar a resenha com os belíssimos versos de SEXO DOS TEMPOS, sem antes render as devidas congratulações ao poeta que surge à tempo:
Sou atemporal.
Minhas memórias não morrerão minhas
Não estava apaixonado,
comprou pipoca e deu aos pombos,
não por piedade, mas por não ter o que fazer.
Sentou-se no banco e olhou para o céu,
não viu desenho nenhum,
apenas uma nuvem disforme.
Pensou no vazio e na segunda que estava por vir,
foi pra casa, não havia motivo para estar ali.
Ao seio rasgado em nuvens
sabe da chuva iniciada e desprotege
o corpo ao receber a água retornada,
retém as gotas entre as mãos e sacia
a vontade demonstrada em excesso.
Os mártires encaminhados
ao espetáculo traduzem a fé
em pedidos de ressurreições
e tensas frontes
preocupadas
com o começo: o recomeço
no animal
sobre a presa.
(A presa altera a forma de convivência
entre os homens: sentenças virtuais
de incompreensão e indiferença).
(Pedro Du Bois, A CONFIGURAÇÃO DO ACASO, XI)
Com muito custo chegou à terra de Tio Sam. Na mala, o sonho de multiplicar o único dólar que trazia no bolso. Meses após, o que ganhava era apenas para o sustento. Virou do lar.
De grão em grão
a ampulheta amputa.
De segundo em segundo
o ponteiro aponta
a curva no fim do caminho.
Em meio a toda questão sempre dizia: “depende”. Acabou dependurado em cima do muro.
Tenho lançado sementes
como bom semeador,
mas em pedras, em areais e em encostas.
Tenho lançado sementes
como incutir ideias
mas em pedras, em areais e em encostas.