Flagrante do cotidiano

Por Eryck Magalhães | 2/12/2010 05:28:00 PM em |

   Na fila do banco, um senhor aguardava sua vez de ser atendido. Era baixo de estatura, tinha os cabelos grisalhos e os traços do rosto vincados. Marcas de uma vida de muita labuta, talvez. Trazia consigo uma bengala que o auxiliava a se equilibrar, uma de suas pernas não se dobrava.

   Não demorou muito a ser atendido, visto que esperava na fila de gestantes, deficientes e idosos, quesitos dos quais o senhor preenchia dois. Durante o atendimento, o diálogo entre o senhor e o caixa não parecia ser muito eficaz. Ou o idoso não o ouvia muito bem, ou simplesmente não compreendia suas palavras de bancário. Verdade é que o atendente aparentava não estar muito predisposto a esforçar-se para que a comunicação lograsse êxito.
   Após alguns minutos, o senhor recebeu um papel e em seguida uma caneta. Estendeu sua mão direita para recebê-la. O encontro, entre sua calejada mão de grossos dedos e o objeto de escrever, foi curioso. À primeira vista, percebeu-se a falta de afinidade entre ambos. Pegou o fino e liso objeto como se fosse um cabo de um machado e tentou ajeitá-lo entre os dedos para que pudesse assinar seu nome, no entanto, o objeto teimava em fugir-lhe do controle. Nos olhos do caixa, era possível ver a impaciência e o desdém.
   Com muito custo, conseguiu afirmar a caneta e posicionar a mão de forma que pode começar, muito lentamente, a desenhar sua assinatura. Por vezes, a mão tremia-lhe e tinha que parar por alguns segundos para retomar, logo em seguida, a difícil empreitada que lhe haviam incumbido.
   A mesma mão que se apequenava perante tão pequeno objeto, talvez fosse capaz de se agigantar perante uma enxada, pá ou qualquer outra ferramenta de trabalho braçal. Aquele caixa seguramente acovardar-se-ia perante uma ferramenta dessas, talvez até mesmo perante um simples martelo ou uma chave de fenda. O que se apresentava ali, eram dois mundos totalmente díspares.
   Finalmente o senhor terminou sua tarefa e recebeu algumas notas. Um outro senhor, que também aguardava na fila, ajudou-o a pegar a bengala que havia deixado de lado para executar a assinatura. Dirigiu-se à saída e deixou o banco.
   Tivesse o senhor as mesmas oportunidades do caixa, tornar-se-ia ele também um caixa? Quem sabe até mais atencioso e bem humorado do que este que o atendeu. Não tivesse o caixa as oportunidades que teve, tornar-se-ia ele um trabalhador braçal, capaz de manusear toda e qualquer ferramenta que se metesse a sua frente?
   A que distância atingem as raízes do determinismo e do genes é um mistério. De explícito, apenas as relações humanas que se tornam cada vez mais distantes e ásperas.

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