Os pássaros me distraem
desligam-me do (des) necessário
brincam com minhas
cansadas retinas.
Os pássaros me atraem
tiram-me da faina diária
afinam minha
memória autiditiva.
Os pássaros me trazem
criam-me um relicário
fabricam árias, melodias
em constante oficina.
Um dia atravessa
a rua: o cachorro pela coleira
o cão se solta
sob o carro
que passa
sobre a calçada
a coleira arrebentada
segura o vácuo
do cão sob a roda
um dia a vida atravessa
a rua e leva
o cachorro
sem a coleira.
(Pedro Du Bois, A CONFIGURAÇÃO DO ACASO, IV, Edição do Autor)
Vaso de cristal
Herança de família
A única peça de arte – arrogante e centenária
Enfeita minha sala.
contemplo a transparência antiga e estática do cristal
:
atiro-o contra a parede
os pedaços libertos reluzem faces conhecidas no tapete
algumas, como se vivas, pontiagudas
136 vezes dançam meu pulso
e bordam em mim, com pele e sangue
o nome de minha avó.
Tonho França
repouso o olhar
na mão que introduz
o pouco
a suficiência da permanência
quase nada do desgosto
agastado tento alcançar
o pulso, em retirada
procuro seguir a ideia
de ir embora
o corpo se debate em grades
jogo fora a comida
faminto me descubro
ignorado sob o pano
escuro dos esconderijos.
(Pedro Du Bois, A CASA DAS GAIOLAS, V, Edição do Autor)
Augusto de Campos 80 Anos!
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/14/2011 02:06:00 PM em Fabiano Fernandes Garcez | comentários (0)
A morte
num cemitério abandonado
à beira-mar.
a morte
assim
à beira
não mete medo
POEMA REFORMULADO COM A LUXUOSA SUGESTÃO DO AMIGO POETA FABIANO FERNANDES GARCEZ
A morte
num cemitério abandonado
à beira-mar.
A morte,
assim,
não me mete medo.
Três garças mansas
de voos displicentes
mancham de branco
o céu azul
Desinteressado das razões
sem perguntar pela inexistência
de sobreviventes, indiferente
ao povo acotovelado ante o sinistro
atravessa o espaço
permitido e se esforça
em recolher
o que pensa
ter serventia
enche a sacola
e a coloca
sobre as costas
o policial não o interpela
nem o prende: passa
incólume entre os destroços
e desaparece na esquina.
(Pedro Du Bois, O COLETOR DE RUÍNAS, 7, Edição do Autor)
Vídeo poema: Encarte
Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/05/2011 08:54:00 PM em Fabiano Fernandes Garcez | comentários (1)
Os que escutam
músicas no rádio
quem presta atenção
nos anúncios da televisão
o cão que abana o rabo
ao na chegada do seu dono
sempre há
quem escuta o que dizemos
quem presta atenção em nós
o animal que nos abana o rabo
quem sente fluir a melodia?
quem escuta além de trinta segundos?
quanto tempo o cão leva ao nosso encontro?
melhor desprezar a melodia
desligar o televisor
desfazer-se do cão.
(Pedro Du Bois, OS CÃES QUE LATEM, Edição do Autor)