É engraçado como o passado retorna travestido de fantasmas. Os móveis já foram cobertos por lençóis brancos; os retratos das paredes, embalados e colocados em caixas de sapatos; os rastros de vida e cor, que habitavam os cantos dos cômodos e que tomam a forma de polaroides diárias, encerrados em estantes empoeiradas na garagem. E, ainda assim, pesadelos ainda geram as assombrações que me perseguem no calor do sol. É caso de estudo quando estas assombrações insistem em não serem enterradas (de bruços!) ou cremadas. Em namoros, por exemplo, enquanto um dos dois possui algo que é do outro, já é o suficiente para a ex-morta ressuscitar muito mais viva e latente do que um bebê (isso também serve para o sexo masculino). E isso fica mais incrível ainda, quando a ex-morta-viva tem não somente a pretensão de ser eterna, mas, ao mesmo tempo, de ser atual, aterrorizando os sonhos do ex-companheiro. As noites passam a ser longas e os dias, mais longos ainda. Os ponteiros dos relógios, nessa hora, parecem odiar o infeliz que foi “chutado” pela ex-namorada. Quando os pombinhos estavam juntos, os ponteiros também não eram bem vistos, mas é porque não damos a devida atenção a eles, pois temos coisas mais interessantes a fazer do que contar os segundos para a partida.
No entanto, em alguns relacionamentos que não acabam em funerais, shownerais ou circonerais, os cônjuges tornam-se, entre si, verdadeiros aliados; autênticos braços direito e de ferro do companheiro. Chegam a fazer até trabalhos e relatórios de faculdades, cursos ou qualquer outro estudo específico. E é tudo pelo bem da união e do amor. Minha mãe é um exemplo disso. Enquanto meu pai ralava e vendia o suor em troca de uma boa situação para a família, era ela quem fazia os trabalhos de faculdade para ele. Mas quem pegou o canudo foi meu pai. Contudo, para mim, o mérito é dos dois. Devia vir anexado no diploma dele, um outro, com os seguintes dizeres: Diploma de Honra e Mérito à senhora sua esposa, pois ela acaba de se formar, também, no nível superior.
A verdade é que todo esse companheirismo foi apagado como uma lavagem cerebral em nossa sociedade moderna. Somos egocêntricos. Egoístas. Contamos as nuvens com um pensamento que martela nosso interior: não preciso da ajuda de ninguém. Somos narcisistas. Mas, a culpa não é somente do indivíduo ou nossa. Todos os dias somos bombardeados com um mar de informações, modismos, comportamentos e entre tantas outras coisas. E chegamos a nos afundar em um mar tão sobrecarregado. Atualmente, é muito mais fácil um dos cônjuges “pagar” para ter o trabalho de faculdade pronto, do que pedir delicadamente e com carinho ao companheiro uma pequena ajuda, fortalecendo, assim, a relação. Desaprendemos a criar laços. Ganhamos a internet, a aviação e, até mesmo, a possibilidade de viver por cem anos, mas perdemos a afetividade entre nós. Transformamo-nos em um daqueles brinquedos de plástico, que ainda lembro de meu pai comprar, para me presentear no dia das crianças. Transformamo-nos em seres descartáveis. Por essa razão, as relações modernas do século XXI são como as pegadas e os recados românticos deixados na areia de uma praia qualquer, pois a próxima onda sempre leva, sempre apaga, seja maremoto ou calmaria, e deixando somente uma sombra, um fantasma que tem a pretensão de ser eterno.


(Adams Almeida Lopes, 07 de agosto de 2009)

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