A AUSÊNCIA INCONSENTIDA

Por Pedro Du Bois | 2/28/2010 09:00:00 PM em | comentários (0)

A morte após a ceia
o doce o licor e o café
preto horizonte onde se perde
em claros locais iluminados
pelas borboletas noturnas
- que outro nome teriam
os insetos contra a lâmpada?

Pisoteia o sexo, não há compromisso
onde pisa, a guerra se faz longe
ao largo, no bote inflado
espera o barqueiro da calma
paciência na noite que se encerra.

O dia cerra o negror da noite
a luz incendeia as estrelas
fixas, aguardam a próxima ceia.

(Pedro Du Bois, A AUSÊNCIA INCONSENTIDA)

Ensimesmado

Por Eryck Magalhães | 2/26/2010 12:30:00 AM em | comentários (0)


sozinho
somente
só a mente
não mente.

Esvaecimento

Por Eryck Magalhães | 2/25/2010 12:12:00 PM em | comentários (0)

     Era quaresma e há dias passava a escassos goles d’água e a miúdas migalhas de pão. Do confessionário, saiu levíssimo. A alma, um resquício de pena. O menor dos ventos não teria esforço algum para elevá-la ao céu. Sublimou.

HORAS

Por Pedro Du Bois | 2/22/2010 03:00:00 PM em | comentários (0)

Reflete: arco
e flecha (chances
reconduzidas
em jogos de azar)

a aposta se completa
no ambiente
das probabilidades

habilidades desequilibram o jogo

momento de ansiedade e angústia:
esperanças cruzam anônimas
e o responsável aciona
a alavanca: dedo na ferida

reflexo: inconsequente razão
para ir embora na quietude
da hora em recomeço.

(Pedro Du Bois, A HORA SUSPENSA)

O coveiro

Por Eryck Magalhães | 2/18/2010 06:06:00 PM em | comentários (2)

       Destinou sua vida aos mortos. Enterrava-os e confortava seus entes. Quando a gadanha arrancou-lhe a vida ninguém foi ao seu enterro, exceto um homem que trazia consigo uma pá.

QUANDO

Por Pedro Du Bois | 2/18/2010 05:46:00 PM em | comentários (0)

quando longe
sonha

quando perto
desperta

quando nada
espera

quando entende
volta

quando termina
sonha.

(Pedro Du Bois, PEQUENOS ESCRITOS)

Jesus

Por Eryck Magalhães | 2/18/2010 05:25:00 PM em | comentários (1)

     Pregava noite e dia. Quando deu por si, já o haviam pregado na cruz.

SONETO AO MEU AMOR

Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/17/2010 11:28:00 AM em , , , | comentários (0)

.

Se amor é um fogo ou é uma ferida

Ou apenas um querer bruto e fero
Ou então uma prisão de mãos regidas
Amo-te total bicho mistério

Amor meu fecha a porta escura
Amamo-nos tranqüilos ao rio
Tu, branco cisne como candura
Estendo-te a mão laço de fio

Prende-me o amor, não é dos tolos 
Nem dos sábios; é apenas o teu
Camões, Bocage, Garret e Pessoa

Neruda e Castro Alves, Vinicius  
Tomei versos, palavras à toa 
Cantar, cantei a ti: Meu amor e vício

Diálogos que ainda restam,  p.39

Suicida

Por Eryck Magalhães | 2/17/2010 03:24:00 AM em | comentários (0)

À beira do precipício,


                         o fim

                              ou

                          o início?

O VIOLÃO

Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/16/2010 08:39:00 PM em , , , | comentários (0)

.

Pego o violão
tiro a capa
tiro a poeira

O violão branco
de madeira

Passo a mão em sua cintura
(tem corpo de mulher)
Poso para foto
Por posar

Pois não toco
nunca toquei

Ele sempre me tocou
com seu som
nas tardes de cantoria
nas noites de serenatas que eu assistia
nas manhãs que ele me acordava e eu não queria

Penso em fazer soar suas cordas,
um acorde qualquer,
não faço

Pois não toco
Nunca toquei

O violão já trouxe melodia
alegria e até poesia
Hoje não toca mais 


Diálogos que ainda restam  p.23

Visão além

Por Eryck Magalhães | 2/15/2010 12:41:00 AM em | comentários (0)

Atrás do insólito,
acima do solo,
do sol.
A visão jamais vista.

Flagrante do cotidiano

Por Eryck Magalhães | 2/12/2010 05:28:00 PM em | comentários (0)

   Na fila do banco, um senhor aguardava sua vez de ser atendido. Era baixo de estatura, tinha os cabelos grisalhos e os traços do rosto vincados. Marcas de uma vida de muita labuta, talvez. Trazia consigo uma bengala que o auxiliava a se equilibrar, uma de suas pernas não se dobrava.

   Não demorou muito a ser atendido, visto que esperava na fila de gestantes, deficientes e idosos, quesitos dos quais o senhor preenchia dois. Durante o atendimento, o diálogo entre o senhor e o caixa não parecia ser muito eficaz. Ou o idoso não o ouvia muito bem, ou simplesmente não compreendia suas palavras de bancário. Verdade é que o atendente aparentava não estar muito predisposto a esforçar-se para que a comunicação lograsse êxito.
   Após alguns minutos, o senhor recebeu um papel e em seguida uma caneta. Estendeu sua mão direita para recebê-la. O encontro, entre sua calejada mão de grossos dedos e o objeto de escrever, foi curioso. À primeira vista, percebeu-se a falta de afinidade entre ambos. Pegou o fino e liso objeto como se fosse um cabo de um machado e tentou ajeitá-lo entre os dedos para que pudesse assinar seu nome, no entanto, o objeto teimava em fugir-lhe do controle. Nos olhos do caixa, era possível ver a impaciência e o desdém.
   Com muito custo, conseguiu afirmar a caneta e posicionar a mão de forma que pode começar, muito lentamente, a desenhar sua assinatura. Por vezes, a mão tremia-lhe e tinha que parar por alguns segundos para retomar, logo em seguida, a difícil empreitada que lhe haviam incumbido.
   A mesma mão que se apequenava perante tão pequeno objeto, talvez fosse capaz de se agigantar perante uma enxada, pá ou qualquer outra ferramenta de trabalho braçal. Aquele caixa seguramente acovardar-se-ia perante uma ferramenta dessas, talvez até mesmo perante um simples martelo ou uma chave de fenda. O que se apresentava ali, eram dois mundos totalmente díspares.
   Finalmente o senhor terminou sua tarefa e recebeu algumas notas. Um outro senhor, que também aguardava na fila, ajudou-o a pegar a bengala que havia deixado de lado para executar a assinatura. Dirigiu-se à saída e deixou o banco.
   Tivesse o senhor as mesmas oportunidades do caixa, tornar-se-ia ele também um caixa? Quem sabe até mais atencioso e bem humorado do que este que o atendeu. Não tivesse o caixa as oportunidades que teve, tornar-se-ia ele um trabalhador braçal, capaz de manusear toda e qualquer ferramenta que se metesse a sua frente?
   A que distância atingem as raízes do determinismo e do genes é um mistério. De explícito, apenas as relações humanas que se tornam cada vez mais distantes e ásperas.

MASCARADO

Por Pedro Du Bois | 2/12/2010 05:16:00 PM em | comentários (0)

Na máscara se revela
por inteiro: mostra
como se esconde

pensa o escuro
da farsa
e se ilumina

o espelho reflete
o que quer mostrar
nos dias rasos
em que sua vida
se esconde

a máscara permite o encontro
na junção entre o interior
e o exterior que se expõe
e gosta.

(Pedro Du Bois, TANTAS MÁSCARAS)

EU NÃO SOU EU

Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/11/2010 06:38:00 PM em , , , | comentários (1)

.
  
Eu não sou eu, sou outro
E outro que não o outro, que não eu
Eu sou outro e outro e
                         outros tantos e eu

Se sou eu que é outro
                        o eu que sou também não sou eu
Com tantos eu, outro e outros eus,
            como posso olhar algo e dizer: isso é meu?

Como pode ser meu,
se o eu que sou não sou eu?
Quando eu digo meu,
o eu pode estar se referindo ao meu que é do outro
o outro que não sou eu,
então, esse algo é seu!

Mas se sou eu e outro
                        o outro também sou eu
Aquilo que é seu é meu!

Eu Fabiano, Fernando, Carlos
            que diferença faz, se todos os outros sou eu

Eu sou o outro e os outros
            sem deixar de ser eu
      sou eu e sou outro
            e os outros sou eu

Mas os outros que não o outro,
que não os outros outros
que não eu, também sou eu?

Diálogos que ainda restam p. 43 

Esperança

Por Eryck Magalhães | 2/11/2010 11:46:00 AM em | comentários (0)

Espero


Desde espero

Desespero

Desesperança.

Sêmen

Por Eryck Magalhães | 2/11/2010 11:46:00 AM em | comentários (1)

Semente


da qual

brota gente.

ser poeta

Por JURA | 2/10/2010 09:02:00 PM em , | comentários (0)

Sou professor.
Ser poeta é um desvio
com fácil tratamento:
ter pelo menos um lampejo poético por dia
ou escrever uns versos,
mesmo que os rasgue.

AS CHAVES

Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/10/2010 03:04:00 PM em , , , | comentários (0)

.

Tiro do bolso as chaves
para abrir a porta
que não há mais

Volto-me para o corredor
de onde saí
tento refazer meus passos
a procura da saída

Não vejo os quartos
onde nos encontramos,
nos amamos
as fotos que tiramos,
nossos sorrisos

Não vejo os objetos, os quadros, os vasos
que enfeitavam a sala de estar
já não vejo nem mesmo o corredor
onde deveria estar

As chaves ...
Passo as mãos no bolso...
Não as tenho mais...

Procuro a porta
Procuro a saída
Procuro um luz no fim do túnel,
mas não encontro o interruptor,
nem uma vela

O ar ficou pesado,
sinto todo peso em meus ombros
O ar ficou pesado
Um peso do passado

Finalmente, encontro uma porta,
que deve ser minha saída
que deve fechar minha ferida
Mas ....
Não encontro as chaves


Diálogos que ainda restam p. 21

Um acontecimento de vivências

Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/10/2010 02:51:00 PM em , | comentários (1)



por Fabiano Fernandes Garcez

           
            Nas páginas de seu primeiro livro Acontecências, Jurandir Rodrigues nos apresenta flagrantes líricos de acontecimentos e vivências, a voz peculiar do poeta conduz Noite a fora para compartilhar sua realidade consciente, transformada por meio de uma linguagem acessível, porém imaginativa.

            O leitor compartilha sua melancolia, como em Blue, suas tormentas de Abandono, suas vitórias em Meu tempo, seu desejo de Ardência e sua saudade em Cada pedacinho.

            Jurandir aproveita as páginas para render homenagens aos seus ídolos como Drummond “Se o vinho e a saudade da lua não deixassem a gente/ comovido como o diabo”, também em “ela surge vagarosamente/ de tempos em tempos/ eu espero/ ela brotaria no asfalto”, Pessoa “Gosto de pessoas /Pessoa/ Caeiro/ Álvaro/ Soares/ Reis”, ou “Nasceu homem, morreu menino/Cavaleiro do íntimo apocalipse, Fernando Sabino”, mas é em Mito e Antologia poética que Rodrigues escancara suas preferências literárias, neste último ele chega a incluir até seus letristas preferidos.

            A música é terreno conhecido do poeta como se percebe em Testamento “Meus livros, meus discos”, Para mim “Tudo é Nelson Cavaquinho”, além das referências e alusões a letras musicais, os versos do poeta se mostram melódicos e rítmicos “Hoje me refaço, me desfaço, me traço./ Se quisesse colar, desamassar, ensacar; teria perdido tempo./ Hoje já me olho, recolho, embrulho e me entrego quase/ inteiro. /Se quisesse te amar, teria que esperar./ Amor tem forma, fome, sede.” Se quisesse.

            Além das referências e, principalmente, homenagens a quem foi caro à formação lírica e musical do poeta, Acontecência apresenta homenagens às pessoas que foram importantes para a sua formação humana, o pai ganha de presente três poemas Raízes, Meu pai e Queda.

            Jurandir Rodrigues começa bem sua caminhada poética, subjetividade, personalidade, sensibilidade, como também harmonia entre a força das palavras e das idéias fazem de Acontecências um acontecimento.






Um trago sozinho à tarde

Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/10/2010 02:49:00 PM em , | comentários (1)



Por Fabiano Fernandes Garcez

                   Ernest Fischer, em A necessidade da arte, afirma:

                         Em todo poeta existe certa nostalgia de uma linguagem “mágica”, original.


                   Em O Bebedor de Auroras, mais novo trabalho do premiadíssimo poeta Tonho França nos brinda com magia, lírica íntima e sintaxe peculiar para resgatar do mundo contemporâneo, a cada dia repleto de surpresas, armadilhas e contradições, a humanidade perdida.
             A experiência individual do eu-poético, traz ao livro um tom de saudade e de desencanto, talvez contaminado pelo sentimento de desencaixe, como se pode notar em: 

            aprendi a ver através das margaridas, mas não entendo mais o
                                                                       [olhar dos homens
                                                  (...)
                                                                                  (Tardes Artificiais)
ou:
                                               A toda hora
                                             A todo momento
                                        Estou fora ou dentro?
                                                                                  (Muros)
             A pena de Tonho corre sobre o fazer poético, em inúmeros poemas se encontram as palavras: versos, poesia e poeta, isto em consequência a reclusão no presente de eu-poético fragilizado pelas incertezas do futuro e as recordações do passado:

            Meus olhos, embora cansados,
            Pressentem o que não podem ver
            Aprenderam com o meu silêncio
            – rituais e rotinas de solidão –
            Meus instintos guardam a memória dos amores
            E de tudo o que me é caro e que meu coração...
            Já não suportaria.

            E de nada me adiantam, agora, lembranças,
            Penitências, alegrias ou arrependimentos
            ­Estou recluso nos versos –
            E nas minhas dores, culpas
            Nos enfrentamentos em calmos e intermináveis silêncios
            Abertos, vulneráveis, extremamente íntimos
            E despidos de profecias, santos e defesas,

            Num encontro definitivo, conclusivo, coeso

            Do qual nem poeta, nem poesia, saem ilesos.
(Autorretrato (Diálogo do último dia))
                   O sotaque poético de Tonho França permanece intacto, maneira singular de construção semântica,  que aproveita fragmentos de versos anteriores para dar aos posteriores outras significações:

            As ladeiras de pedra
            Os homens a seguir o destino em procissão
            As ladeiras de pedra e os homens a segui
            As ladeiras de pedra tentam a remissão:
            Os homens de pedra a seguir vão,
            homens de pedra a seguir
            os homens, em vão.
                                               (...)
                                                                                  (Procissão)
               Na construção sintática, menos recorrente nesta obra é verdade, Tonho França também é mestre, trabalha duas orações coordenadas, porém com o segundo elemento do paralelismo inusitado:

            Meus olhos guardam o segredo da morte
            Suas mãos enrijecidas em pétalas de mármore-rosa
            Colhiam maças e notas musicais.
                                                                                  (Canto III)
                  Mares... destoa do resto do livro, o uso constante da mesma rima dá ao poema um ritmo arcaico, lembrando muito a poesia do século XIII e XIX:

            Os barcos deixam o cais,
            Aventuram-se e deixam o cais,
            Nas ondas inseguras, deixam o cais,
            Levando as desventuras, deixam o cais,
            Nas noites tão escuras, deixam o cais,
            Deslizam entre espumas e corais,
                                               (...)
                   Ainda na linguagem que o poeta utiliza para suas auroras o destaque fica por conta de:


Metrópole

Pivete no semáforo
(vida?)
Vende balas
(perdidas)

                  o uso dos parênteses dá ao poema outras possibilidades de interpretação, pode-se ler só os termos que estão fora deles, apenas os que estão dentro, ou ainda embaralhando-os.
                 Em Vida vista pela janela (cenas de um tempo sem sentido), um dos melhores poemas do livro, Tonho nos ensina:

            É preciso nos lavar de nós mesmos  (..)

                   Em uma sociedade que é regida pelo olhar mercadológico, o olhar sensorial do eu-poético recai sobre os homens desumanizados, então resta, apenas, concordar com as palavras do poeta:

            Já aprendi a sobreviver nas esquinas definitivas
            E sinto como é pesada a franqueza
            Escrevo abaixo da “linha da pobreza”
            Dentro dos olhos e com muita dor
            Mas não me iludo, não me engano
            Meus versos são pelos seres humanos
            A poesia é para sermos humanos
                                               (...)
                                                                       (Dia a dia)

             A voz auscultada das páginas traz a entonação do entardecer, apesar do título constar como auroras, a palavra tarde é recorrente em muitos de seus versos, assim como ecos de um homem, em uma metrópole, solitário à espera de alguém para, quem sabe, um trago de poesia.
                O Bebedor de Auroras é um bálsamo contra a banalização do mundo contemporâneo que está cada vez mais e mais dezumano e alienante. 


Um tempo que escorre aos olhos

Por Fabiano Fernandes Garcez | 2/10/2010 02:44:00 PM em , | comentários (0)


Por Fabiano Fernandes Garcez

Em À medida dos Tempos, livro de estréia de Clebber Bianchi, percebe-se que no decorrer da obra o poeta amadurece seu canto, amplia suas impressões e expressões, suas visões e percepções de um tempo impossível de se aprisionar, mesmo depois de capturado pelo retrato fotográfico, restando ao olhar lírico apenas a nostalgia de um tempo tardio, mesmo que recente:
Do peito,
escorre a chama suja dos tempos.
O olhar é simples, singelo,
apenas os tempos são capazes de testemunhá-lo.
O sorriso amarelou no retrato
e a fala muda enalteceu a lembrança.
Somente o sonho sobreviveu.
E a saudade vive nas tardes,
sob as folhas das mangueiras,
a cada lágrima que cai.

Clebber nos dá mosta do labor poético que preza a fenomenologia do olhar, olhar este que se volta para as coisas sem importância, coisas à toa e, por isso mesmo, são de grande valia e merecem ser recordadas:
Haverá um tempo
em que o passado estará exposto
no reflexo das cores orvalhadas
das flores do jardim da janela dos fundos.
As goteiras farão as rimas dos versos
que contarão a história.
O silêncio que havia na casa grande
havia entre os odores do curral.
O galo que há pouco cantou
propiciou reminiscências,
que os roncos dos motores e buzinas,
além do apitar cotidiano da fábrica, apagaram.

RETRATOS

A observação subjetiva das coisas simples, singelas, ganha um forte aliado, sua sintaxe também simples, sem afetações linguísticas de um discurso meramente formalista, que pouco comunica. O discurso poético de Clebber comunica bastante, para isso o campo léxico de À medida dos tempos é cotidiano, comum, no entanto é nessa simplicidade de dizer que é dito muito sobre a solidão, os sonhos infantis e até sobre o fato de se perder as palavras, restando apenas a contemplação sensorial do momento:
Daqui de cima tudo é solitário.
Viver acima
é encontrar-se surdamente
falando para si mesmo.
Esta é a minha casa da árvore (sonho de criança)
financiada em duzentos e quarenta meses, além de alienada.

Quando enlouqueço e grito lá para baixo,
somente as buzinas respondem.
Em seguida, as palavras não me vêm.
Apenas o pio da andorinha,
um pio, um só.
Apenas uma andorinha,
uma andorinha apenas.
UMA ANDORINHA

Cleber vale-se de alguns recursos poéticos, apesar de sua linguagem acessível, como por exemplo, paradoxos e antíteses:
O tempo é permissivo
aos contentamentos descontentes.
Vejo que tudo acontece ao mesmo tempo agora
no cenário dos dias na cidade...
PESARES DO TEMPO

Hoje, o tempo me veio solteiro,
em uma noite daquelas em que a melhor companhia era a
solidão.
EU INTRA
além disso, em alguns poemas vê-se um jogo com os diferentes valores semânticos de uma mesma palavra, como em MÁSCARA:
Um ser sem sentir-se
um sentir-se sem ser.
porém é nas belíssimas imagens poéticas que Clebber Bianchi se mostra mais criativo:
Enquanto os sapos coaxam de sede,
O sol atravessa a pele da terra,
e meus ombros são minha camada de ozônio.
DESALINHO

Cansei de respirar uma felicidade esbaforida,
cansada de se engasgar no soluço sórdido,
numa exatidão sem nexo e triste de alma.
(...)
Bastou-me um santo
e ajoelhei-me sobre as cinzas carbonizadas do meu consciente.
DILATEM, PUPILAS!

O poeta também se utiliza de alguns recursos sonoros que fazem com que os seus poemas ganhem em musicalidade e ecoem em nossos ouvidos. Um desses recursos, é o eco fonético, ou seja, aproximação de palavras semelhantes sonoramente:
Eu era um descaso do acaso,
angariado na contramão de uma grande avenida
Os brilhos dos olhos lagrimantes de saudade
de um tempo escorrido nos relógios
refletiam a esperança do passado,
apagada na realidade de um presente sério.
TEMPO DE REZA

Outro recurso utilizado pelo poeta é a onomatopéia:
O relógio tinha que tá, tinha que tá
mas não tá.
(esta foi a única coisa que o tempo parou!)
MANTO NEGRO

Clebber mostra em seus versos, não raro, a influência de Tonho França, e faz uma homenagem à altura do poeta de Guaratinguetá em CHARUTO CUBANO:
Uma lágrima seca escorreu-me de canto
e o canto do pintassilgo emudeceu na gaiola.
Minha cachaça perdeu o gosto quente,
exposta ao sol dos dias.
Mesmo uma pimenta aberta no prato
caçoava minha coragem.
Senti desconforto
e, sob meus pés,
o vácuo das manhãs sem sal provocava saudades.
É contínua a direção dos ventos,
segundo os sonhos,
seguindo sempre somente e só...

Os apoios que me sustentam
são espinhos tristes, sanções expressionistas,
cenários de Van Gogh.
Meu peito dilatado
ressalva as atitudes corriqueiras nas janelas
temperadas de línguas.

E sobre a rede ...
... e sobre a rede,
somente um legítimo charuto cubano
fazia-me companhia,
e entre um trago e outro
trago saudades.
Ao fundo,
solos de blues...
Solos de blues,
à tarde.

As acácias choravam suas perdas,
e as folhas caíam como eu,
solitariamente...

Outro destaque do livro é OLHOS FECHADOS, poema com uma vertente ecológica e, dado aos problemas ambientais, quem sabe, profético:
A culpa é nossa!
Uma culpa com a imensidão do verso,
do céu-fumaça, estradas-pet, sertão-papel. Culpa tamanha!
O sonho é esperança contida no escorrer das águas nas sarje¬tas,
nas mãos atadas dos pobres de espírito,
no papel de bala que perfurou o vento
e não pesou sobre a mente poluída.

É o início do fim. (...)

Le Goff em História e Memória diz:
“a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”.
Com base nessa afirmação, só resta encerrar a resenha com os belíssimos versos de SEXO DOS TEMPOS, sem antes render as devidas congratulações ao poeta que surge à tempo:

Sou atemporal.
Minhas memórias não morrerão minhas

Domingo

Por Eryck Magalhães | 2/09/2010 02:05:00 PM em | comentários (0)

Não estava apaixonado,
comprou pipoca e deu aos pombos,
não por piedade, mas por não ter o que fazer.

Sentou-se no banco e olhou para o céu,
não viu desenho nenhum,
apenas uma nuvem disforme.

Pensou no vazio e na segunda que estava por vir,
foi pra casa, não havia motivo para estar ali.

NÍVEL

Por Pedro Du Bois | 2/08/2010 05:06:00 PM em | comentários (0)

Ao seio rasgado em nuvens
sabe da chuva iniciada e desprotege
o corpo ao receber a água retornada,
retém as gotas entre as mãos e sacia
a vontade demonstrada em excesso.

Os mártires encaminhados
ao espetáculo traduzem a fé
em pedidos de ressurreições
e tensas frontes
preocupadas
com o começo: o recomeço
no animal
sobre a presa.

(A presa altera a forma de convivência
entre os homens: sentenças virtuais
de incompreensão e indiferença).

(Pedro Du Bois, A CONFIGURAÇÃO DO ACASO, XI)

Sonho americano

Por Eryck Magalhães | 2/05/2010 06:54:00 PM em | comentários (0)

          Com muito custo chegou à terra de Tio Sam. Na mala, o sonho de multiplicar o único dólar que trazia no bolso. Meses após, o que ganhava era apenas para o sustento. Virou do lar.

Gradação

Por Eryck Magalhães | 2/05/2010 02:35:00 PM em | comentários (0)

De grão em grão
a ampulheta amputa.

De segundo em segundo
o ponteiro aponta

a curva no fim do caminho.

O cético

Por Eryck Magalhães | 2/04/2010 10:11:00 PM em | comentários (0)

Em meio a toda questão sempre dizia: “depende”. Acabou dependurado em cima do muro.

SEMENTES

Por JURA | 2/03/2010 04:17:00 PM em , | comentários (1)

Tenho lançado sementes
como bom semeador,
mas em pedras, em areais e em encostas.
Tenho lançado sementes
como incutir ideias
mas em pedras, em areais e em encostas.


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