A linha caminha
O ponto é ponto
No encontro, três pontos
São reticentes
Mas em fila indiana os pontos
bem juntos são uma linha
até onde ela se alinha
curva ou reta
com ou sem meta
cria forma
e o ponto informa
que é o fim.
ou não
aí é outro ponto
de interrogação
Duda Araújo
Palavra:
mentira
exposta
fratura temporal
quebrada ao silêncio
em que o mundo
exposto
mostra o mal
bem dito
bendito trecho
intercalado no discurso
antecedente ao clímax
orgasmo posto
chama: palavra
queimada ao equilíbrio.
(Pedro Du Bois, ALGUMAS PALAVRAS)
Um poeta quando encontra outro poeta, fica estupefato, estranha demais: “Nossa, outro lunático, outro que fala sozinho, que levanta no meio da noite pra anotar um verso para a noite de sono não apagar.”
Um poeta quando encontra outro poeta, fica estupefato, estranha demais, mas fica feliz, e troca versos e ideias e convida o outro poeta para um café ou um vinho.
Havia alguns meninos na praça, cinco ou seis no máximo, o mais velho devia ter entre dez e onze anos, não mais que isso. Estavam sujos, afoitos, dividiam entre sí pedras acessas e sacos de cola. À luz do dia, as pessoas passavam a uma distância segura – talvez o termo correto a usar seja a distância da indiferença. Logo, estavam mais agitados, e um deles, pegou umas bolas coloridas e começou a jogá-las, a principio ria, e ria, era um malabarismo perfeito, delicado... cronologicamente perfeito, um segundo, um deslize e tudo poderia ruir... (com a vida deles é exatamente assim). Seguiu-se o barulho, a alucinação. Anoitece, no escuro, as pedras acessas iluminavam os olhos das pequenas faces. Madrugada, vários tiros, os gritos, tiros - toda matança é rápida e sombria.
Na manhã seguinte, seis sacos pretos cobertos na praça, seis sacos pretos cobertos na praça, as bolas coloridas de malabarismo descansavam num canteiro. Seis sacos pretos cobertos na praça, seis sacos pretos cobertos na praça e ninguém reclamava pelos meninos da cola, do crak, dos malabares, eram apenas seis sacos pretos cobertos na praça. Retirados, rapidamente, homens lavavam, esfregavam, e a praça limpa devolvida ao povo.
Quem puder dormir, que durma.
Bom sono.
Tonho França.
Mágico aroma dança no ar.
As damas-da-noite se abrem...
Tonho França
Teu amor
traduzido
em estrelas
teu amor
emaranhadas ondas
do meu mundo
teu amor
infinito
sobre o restante
meu destinado
vulto contra o vidro:
recôndito ser.
(Pedro Du Bois, DOS AMORES, 6)
Podemos ser tão velozes
como os cavalos em galopes
têmpora de temporais
com almas de vendavais
temporada de flores e florais...
chama de fogo na partitura
risos de menino na noite escura
do nunca mais
do nunca mais
ainda nos pintamos
com água viva, a própria vida
e assim
como se fossemos
ser como se fossemos
se não fossemos mais
ainda tão iguais
podemos ser para sempre
já que o sempre
já não é mais
já não é mais
presente
e o futuro que sorri aí ao lado
já é passado
já será passado
Só não acorde
Só não acorde
Vem
Ainda nos vemos tão jovens
Quanto a menina de jardineira
A vida inteira
A vida inteira
Os sonhos nascem nas íris matinais
Não espere mais
Só não espere mais
Temos todas as canções da vida
E eternos, como só os sonhos são
Só os sonhos são
podemos ser para sempre
já que o sempre
já não é mais
já não é mais
presente
e o futuro que sorri aí ao lado
já é passado...
Tonho França
O toque púrpura suave do fim de tarde
Colhe o cântico das nuvens.
Nos quintais, as jabuticabeiras
Reluzem um aroma mais adocicado
(talvez típico dos meses de agosto)
Na partitura que rege o universo
Faz-se uma pausa quase que celeste...
Meu olhar, antigo e cansado
Pousa na simplicidade de uma flor amarela
Em um canteiro qualquer.
O momento faz-se eterno
Ainda assim, não me rendo às orações.
Em um silêncio íntimo
Sorvo de um chá de limão e canela
E brindo à vida
Que tudo é
Na pequena flor amarela.
Tonho França.
Um Sábado de Aleluia possível
Por W.G. | 9/19/2010 09:56:00 AM em Aparecida, Contos e Micronarrativas, Wilson Gorj | comentários (1)
Carregando o Judas, a molecada para diante da "biqueira".
Gritam:
- Queremos pe-dra! Queremos pe-dra!
E o traficante manda bala.
Cena para um haicai
Por W.G. | 9/19/2010 09:54:00 AM em Aparecida, Poesia, Wilson Gorj | comentários (2)
A Salada
Por Diniz.DL | 9/18/2010 07:05:00 AM em Cachoeira Paulista, Crônicas, Diego Leão | comentários (1)
Tenho uma vontade absurda de escrever e debater sobre um determinado tema, mas, por uma questão institucional, eu não posso. Resolvo então falar sobre minhas preferências gastronômicas e as de alguns amigos.
Algumas classes de alimentos são mais interessantes que as outras, como as frutas - que eu considero de importância federal - e por isso me dedicarei a elas por hora. Muitos hoje em dia parecem preferir o morango: vermelho, pequeno e um pouco azedinho, promete um contínuo banquete de delícias a todos, com uma presença bem difusa de seus benefícios. Existem aqueles que, contudo, preferem laranjas (dentre as quais faz um sucesso danado a laranja-serra-d'água), que tentam resgatar uma tradição já anterior do nosso país e seus defensores apontam para um estado melhor de coisas quando as frutas desse tipo eram as preferidas.
Mas pouca gente fala do kiwi, uma fruta mais exótica, de aparência meio frágil e completamente verde, evocando uma consciência ambiental e sustentável - diria eu mesmo. Muitos de meus amigos preferem o kiwi, mas ao que tudo indica o kiwi não teria chance nem pra presidente do Brasil. Ainda assim, gosto do kiwi. Mas respeito e até mesmo concordo com quem gosta do morango vermelinho e da laranja-serra-d'água, pois, em última análise, devemos escolher a fruta que nos parece melhor - vivemos, afinal, em uma democracia.
Existem ainda muitas outras opções de frutas, cada uma mais singular que a outra, e muitas pessoas gostariam de prová-las e poderiam até mesmo preferí-las a quaisquer outras, mas temem escolher uma fruta sem maior expressão e que não chegaria com sucesso à salada da sobremesa.
As pessoas se esquecem de que a escolha individual é justamente assim, solitária. Como tal, deve ter em consideração somente aquilo em que acredita a pessoa, aquilo que ela preza e respeita, não a vontade de outras pessoas, mesmo que sejam uma maioria esmagadora.
Nossa salada de frutas não precisa ser limitada ao morango ou à laranja e nem mesmo ao kiwi. É preciso trazer novas variedades, novas espécies e enriquecer cada vez mais a sobremesa do brasileiro que, depois da festa, quer mais é poder relaxar com a consciência de que escolheu a fruta que é nelhor para ele.
Os motores cochilam cavalos invisíveis
Haikai do outono
Por mural do ajosan | 9/14/2010 08:30:00 PM em afonso, Caçapava, haikai, outono | comentários (2)
folhas do outono
varridas pelo vento
- chegando inverno –
Mantém a postura, o rei está vendo; eleito
teria a mesma pose, é do engodo a autoridade
como o todo completado; sua voz grita sobre
verdades e cobra o sentido do caminho, a terra
urbanizada; o vizinho, a mulher da vida, a criança
depositada ante a porta ainda fechada.
(Pedro Du Bois, A DIFERENÇA ENTRE OS DIAS, 4)
Nanoconto de Sexta-feira
Por W.G. | 9/11/2010 04:50:00 AM em Aparecida, nanoconto, Wilson Gorj | comentários (2)
Na ilha deserta, Robson recluso é.
Poeta que me edita.
Reflexão sobre não ser poeta.
Por Diniz.DL | 9/10/2010 10:45:00 PM em Cachoeira Paulista, Crônicas, Diego Leão | comentários (1)
Não deve haver honraria maior que o convite de um poeta para participar de um seleto grupo de escritores, não só lendo ou ouvindo, mas também compartilhando as parcas linhas que se possam produzir. Gosto de pensar que, no meu caso, o mérito todo reside nalguma percepção única de algum potencial oculto que o convidado pode possuir, mas que somente é plenamente acessível aos sentidos do poeta.
Essa percepção é o traço que distingue o poeta de qualquer outro escritor. Narrar fatos, mesmo os fictícios, é tarefa simples se comparada àquela de sentir o que existem além do que os sentidos podem captar. E poesia é justamente isso: a descrição impossível de uma realidade inacessível; a exposição em versos de algo do mundo que não pode ser explanado de forma acadêmica, científica ou narrativa.
Todos discursamos ou escrevemos em algum momento sobre os sentimentos, mas só o poeta é capaz de captar e verter em versos a essência do sentimento em si mesmo, como experiência ao mesmo tempo subjetiva e universal.
A poesia é coerente em suas contradições, como já ouvi algum amigo afirmar, o que faz do poeta uma espécie única de ser humano: identificando os temas universais, nos lança sobre suas percepções pessoais destes temas e nos faz considerar nossas próprias ideias - o resultado é o reconhecimento do "eu" no "outro": o poeta é o instigador definitivo de uma fraternidade sentimental.
Eu não sou poeta. Minha visão do mundo já oscilou entre o romântico e o cético e a manifestação literária é mais digna de registros científicos e não das antologias poéticas. No que diz respeito à capacidade de ver além das aparências e penetrar no invisível presente no visível, minhas habilidades são equiparáveis a de qualquer outro ser humano médio.
E o que pode um ser humano médio contribuir no debate dos poetas? Isso não cabe ao mediano decidir, mas sim ao artista com a pena em punho, que é capaz de enxergar nas mais simples manifestações naturais e humanas a música que faz o mundo girar... E mesmo no mediano o poeta encontra a alheia e a sua própria poesia.
Ele foi encontrado, caído, com uma bala no peito. Minutos antes roubara uma doceria
não faço versos como amanhece
o amanhecer é límpido, nu
os versos que amanheço
são baços e turvos
nada acesos.
Nuvens cinzentas
Ipê amarelo
dores magentas.
Por mais que tentasse, o preto não conseguia dar sentido ao grito do Ipiranga.
tocar a palavra
sentir a palavra
beber a palavra
sacro oficio
oferecer-se a palavra
ser a palavra
viva
prazer
pra ser
poesia
alimento vivo de todo dia
Tonho França
bom estar em casa
mesa posta
livros na cabeceira.
Poema
Pó de poesias
irrigadas
pelo vento
Mar palavras
naufragando
por ondas
de um mar sem fim
Vindo de encontro
a mim
Assim como a onda
que bate nas pedras...
Incertas!!
Palavras de amor
jogadas ao vento
Momentos!!